CCJ deve votar nesta terça anistia a golpistas; juristas dizem que projeto é inconstitucional
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados deve votar nesta terça-feira (29) um projeto que anistia os golpistas que participaram dos atentados de 8 de janeiro de 2023. Naquele dia, militantes apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e depredaram os prédios da Câmara, do Senado, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF) em protesto contra o resultado das eleições de 2022, em que Bolsonaro foi derrotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O projeto já havia sido pautado no colegiado, mas um pedido de vista adiou a votação do texto. Na oportunidade, os partidos da base governista atuaram para atrasar a análise do projeto. Especialistas criticam o conteúdo da proposta e apontam problemas ao se tentar anistiar crimes contra o Estado Democrático de Direito. O ataque às sedes dos 3 Poderes e à democracia foi sem precedentes na história do Brasil. Os vândalos quebraram vidraças, móveis, obras de arte e objetos históricos, invadiram gabinetes de autoridades, rasgaram documentos e roubaram armas. O projeto perdoa as condenações dos participantes dos atentados e atinge todas as medidas de restrição de direitos, como a prisão, o uso de tornozeleira eletrônica e outras que possam limitar o uso de meios de comunicação, plataformas digitais e redes sociais. Eleição da Câmara O projeto entrou no cálculo político para a eleição à presidência da Câmara, marcada para fevereiro de 2025. Do outro lado, o PT, que adiou o anúncio de apoio à Motta (Republicanos-PB) por não ter recebido uma sinalização de que a proposta seria enterrada. O partido deve vetar apoio ao candidato que apoiar o texto. Por isso, os parlamentares da legenda ainda avaliam se ficam com Motta ou apoiam Elmar Nascimento (União-BA) e Antônio Brito (PSD-BA), que se uniram para embaralhar a corrida à presidência da Casa e tem articulado contra o texto da anistia para atrair os petistas. 2 de 2
Deputados Elmar Nascimento (União - BA), Hugo Motta (Republicanos - PB) e Antonio Brito (PSD - BA) — Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados; Mário Agra/Câmara dos Deputados; Vinicius Loures/Câmara dos Deputados O projeto Segundo o texto, ficam perdoados todos os que participaram de “manifestações” com motivação política e eleitoral, ou as apoiaram, por quaisquer meios, inclusive contribuições, doações, apoio logístico ou prestação de serviços e publicações em mídias sociais e plataformas, entre 8 de janeiro de 2023 e o dia de entrada em vigor da lei. A proposta permite que o perdão se estenda a eventos anteriores ou subsequentes, desde que haja relação com os atos de 8 de janeiro. Além disso, o projeto: altera a redação dos crimes de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado, exigindo que haja necessidade de violência contra a pessoa para enquadramento nos delitos;anula as multas aplicadas pela Justiça Eleitoral a pessoas e empresas que tenham de alguma forma participado dos atos;estabelece que condenações por crimes contra o Estado Democrático de Direito não poderão ser baseadas nos chamados crimes multitudinários — aqueles cometidos em grupo, quando todos contribuem para o resultado a partir de uma ação conjunta;devolve direitos políticos e termina com outras implicações cíveis ou penais para todos os beneficiados pela anistia. O relator também propôs que pessoas físicas e jurídicas não poderão ser diretamente punidas por financiar movimentos e manifestações em que integrantes agirem contra a lei. A responsabilização penal, segundo o parecer, somente poderá ocorrer se houver comprovação de dolo direto (intenção) e nexo causal entre o auxílio prestado, as condutas antijurídicas praticadas e o resultado produzido. Foro privilegiado O parecer do deputado Rodrigo Valadares (União-SE), aliado de Bolsonaro, também prevê mudanças no julgamento de pessoas comuns em inquéritos que envolvem pessoas com foro privilegiado — prefeitos, juízes, deputados, ministros, governadores e senadores, por exemplo. O deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que é o autor do trecho adotado por Valadares em seu parecer, justifica as alterações como forma de evitar que processos de pessoas comuns sejam levadas ao Supremo “a partir da alegada participação de parlamentares detentores do foro”. O projeto também estabelece que, assim que uma autoridade perder o foro, todos os julgamentos e pessoas atraídas por ela para uma instância superior deverão ser imediatamente redistribuídos para as instâncias adequadas na Justiça — independentemente da fase processual. O que dizem os especialistas Especialistas em direito constitucional criticam o texto e apontam que, embora o Congresso tenha competência constitucional para conceder anistia, há um conflito em tentar perdoar crimes contra o Estado Democrático de Direito e uma tentativa de enfraquecer o Poder Judiciário. Segundo o doutor em direito constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Ademar Borges, a Câmara tem competência para aprovar uma lei de anistia, mas a anistia não pode incidir sobre esse tipo de crime. "O STF decidiu que é inconstitucional a anistia dada às pessoas que cometem crimes contra o Estado Democrático de Direito. Sendo assim, o perdão para esse tipo de crime seria inconstitucional", afirmou. "O Congresso se colocaria acima do Judiciário, outro precedente perigosíssimo. Anistia é um instrumento previsto na Constituição, mas a aplicação nesse caso é inconstitucional", avaliou Perecmanis. Para o professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gustavo Sampaio, há uma contradição na proposta ao estabelecer anistia para condenados que tentaram agir contra o próprio Congresso. "Pelo inciso 44, interpretado literalmente, o Congresso pode até aprovar um PL de anistia, todavia é absolutamente contraditório imaginar que um projeto de lei conceda anistia a quem agiu contra a própria democracia, fundamento maior da separação de poderes", disse. O professor de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Wallace Corbo, segue a mesma linha. "O poder Legislativo para burlar a proteção à democracia está anistiando crimes contra a democracia", avalia.